Ela
não me ouvia, mas eu não desisti, não entreguei os pontos para ela
se perder na imensidão de pensamentos que a perturbava, eu não ia
deixá-la desperdiçar a própria vida com certas atitudes erradas.
Lágrimas encharcavam seus olhos e escorriam pela sua face, enquanto
ela lutava contra mim, em alguma parte ainda feliz do seu coração,
consegui forças para gritar: “Sinta que o frio não pertence a
esse mundo, sinta que a tristeza não faz parte daqui. Seja a sua
felicidade enquanto houver Sol, seja somente você nessa imensa luz
que te rodeia. Não percebe que o mundo sorri quando você chega? Não
vê que toda a cor vem junto quando você se aproxima? Se as pessoas
estão no mesmo lugar que você, é porque você tem essa alegria que
a todos contagia, essa beleza que basta um olhar para vê-la. Não
desanime, não deixe tudo o que conquistou para trás, as pessoas
sentirão sua falta, acredite que sim. Seja feliz enquanto houver
Sol, para que no dia em que não mais o veja, ainda esteja sorrindo
por todos os sorrisos que você fez nascer.”
Havia
algo que a impedia de me ouvir, ela se debatia, gritava, se cortava
por não conseguir ser igual aqueles que se diziam melhores, ela
tentava ser como suas “amigas”. Elas que a menosprezava por não
ser igual a elas, elas que fingiam amizade para tê-la em seus pés,
elas foram quem fizeram-na sentir como um nada agora. E eu tinha a
esperança de que uma vez , só uma vez, ela iria tirar aquelas mãos
dos olhos, aquelas que impediam-na de enxergar o caminho por si só,
e pô-las nos ouvidos para então, finalmente, poder ouvir apenas a
minha voz, a voz da esperança, a voz que também era dela, mas ela
estava surda por não acreditar.
Ela
já teve muitos sonhos antes de passar a ouvir o que dizem e
acreditar menos em si mesma. Sei disso porque a conheço melhor do
quê si própria, e novamente gritei em meio a sua mente de
pesadelos: “Vai deixar que roubem até os seus sonhos? Ou vai
torná-los reais antes que alguém possa sussurrar: é impossível
!?”
Dessa
vez ela permaneceu em silêncio, as lágrimas se secaram, os cortes
ainda sangravam. Seus olhos apenas fitaram as nuvens no céu por um
tempo, ela parecia não sentir mais dor e sim raiva da própria vida,
com a fraqueza do ódio, ela retirou a faca do pulso cheio de
sangue e direcionou-a ao seu peito, antes que ela realizasse o ato,
consegui fazer com que me ouvisse: “Jesus sempre soube que iria
morrer, e mesmo assim esperou até o final, com todo o seu
sofrimento. Nós, meros humanos, também sabemos que vamos morrer, e
nosso sofrimento, por maior que seja, não deve ser maior do que a
nossa vontade de viver.” Ela fincou a faca no chão, ajoelhada, com
dor de alma, gritava em pedido de silêncio. Ela chorava, por não
conseguir sorrir. Ela estava acordada, por não poder mais sonhar...
E eu ali, em meio a tanta perturbação, sendo a última esperança
de uma adolescente em crise. Tão jovem, tão especial, tão iludida
pelos próprios com quem convivia. Sempre era elogiada numa vida
quase perfeita , mas é quando as rosas estão lindas de mais, o
bastante para exalar perfumes , é que então aparecem os espinhos...
Com a manga comprida da blusa xadrez, ela enxugou as lágrimas, se
apoiou na própria coragem e se levantou daquele chão frio de
quintal, correu para dentro da casa, soltou o frouxo rabo de cavalo e
retirou seus óculos arranhados. Com perfume ela limpou suas próprias
feridas. A partir daquele dia, ela estava decidida a nunca mais
acreditar em qualquer um que se diga amigo, a quaisquer elogios. Ela
estava decidida a ganhar pedras da sua consciência, do que receber
flores envenenadas de amigos que nunca lhe servirão sequer um ombro,
para que ela possa derramar a cascata que jorra de seus olhos.
Nunca
mais pesei em sua mente, ela agora, sabia o que fazer. Tirou as mãos
dos olhos, mas não tapou os ouvidos, com o seu dedo indicador
apontou para o mundo, ela sempre esteve pronta pra seguir sozinha,
mas só poderia voar quando se soltasse das correntes que a impediam
de sonhar.
Nenhum comentário:
Postar um comentário